CASE: Desfile Dior | AW23/24 Paris

A arte e a moda sempre andaram lado a lado, mas com o grande foco atual em criar experiências, a arte visual está sendo empregada com mais força ao mundo da moda. Os desfiles estão tornando-se verdadeiros espetáculos, com a criação de atmosferas cênicas que ajudam a contar a história por trás das roupas vestidas pelos modelos. A linha tênue que separa os diversos tipos de arte está cada vez mais fina, gerando um mix que transborda apenas o visual.

Com uma coleção visualmente “rebelde” e inspirada pelo espírito “punk”, o desfile AW23/24 da Dior na Semana de Moda de Paris abusou do preto e branco e dos tons neutros, prezando pela sobriedade e recortes clássicos, com uma estética da década de 1950, que trouxe saias midi rodadas, cinturas definidas, estampas florais e decotes em V.

Mas, um dos pontos que mais chamou atenção, foi a cenografia do desfile, criada pela artista plástica portuguesa Joana Vasconcelos. Ao som de La Vie en Rose, em uma estrutura montada no Jardin des Tuileries, no coração de Paris, encontrava-se a “Valkyrie Miss Dior”: uma escultura imponente inteiramente feita à mão, pesando mais de uma tonelada e incorporando 20 padrões diferentes de tecidos da coleção Dior, contando com acabamentos em tricô e crochê, além dos bordados e pedrarias, que transformaram o cenário de forma deslumbrante. Com texturas e cores variadas, a instalação exuberante – que percorria o teto e a passarela – partia de um centro azul, com vários “braços” coloridos em todas as direções.

Segundo a artista: “Trazer esse impacto das artes plásticas para o mundo da moda é interessante, porque é uma outra relação e isso é inovador. Nunca as artes plásticas se cruzam com a moda desta maneira, pode haver uma peça, pode haver uma interação, mas a este grau de escala, esta colaboração tão estreita que é partir do mesmo material em duas direções diferentes, acho que nunca foi feito”.

Joana já produziu diversas “Valquírias”, todas com vários braços, inspirados pelo mito escandinavo das mulheres enviadas por Odin com a missão de escolher os vencedores e acompanhar os guerreiros mais corajosos após a morte. A artista também já colaborou com a Dior em 2013, com a peça  “J’adore Miss Dior”, onde utilizou centenas de garrafas de perfume da marca para criar um gigantesco laço, e em 2019, quando reinterpretou a icônica mala Lady Dior, com um coração em LED.

Este projeto para a semana de moda nasceu ainda em 2022, com a execução iniciando cerca de três meses antes da data do desfile. A colaboração com a diretora artística da Dior, Maria Grazia Chiuri proporcionou um trabalho único, em um momento onde as marcas estão voltando a atenção para o que é essencial. Conforme o padrão de suas outras obras neste formato, Joana queria que a peça fosse capaz de homenagear uma mulher: “Eu disse logo que não ia fazer uma peça só por fazer, disse que tinha de haver uma história, temos de prestar homenagem a alguém, a uma mulher importante na história da Dior. E depois, de repente, a (diretora artística) começou a falar-me da irmã do Christian Dior, a Catherine Dior, e fez-me todo o sentido homenageá-la”.

Resumidamente, Catherine Dior foi uma resistente francesa capturada em 1944, antes da libertação de Paris. Passou depois por várias prisões de trabalho após ser deportada para o campo de concentração de Ravensbrückf, até ser libertada em 1945. Recebeu diversas homenagens por sua participação na guerra após voltar para a França, e depois de ajudar o irmão na fundação da marca de roupas, tornou-se produtora de flores e florista.

Mesmo colaborando diretamente com Chiuri, a artista portuguesa não pode ver as peças da nova coleção até o momento do desfile. Segundo ela, o desfile é uma grande performance que só ficaria completa com a passagem das modelos pelos tentáculos de sua obra. Dessa forma, as modelos que apresentavam os looks outono-inverno andavam em ziguezague em meio a estampas, lantejoulas e luzes.  O protagonismo do cenário, uma verdadeira obra de arte, foi dividido com os lançamentos da coleção, onde Chiuri manteve sua tradição de diálogo com outras formas de arte ao ter como convidada especial do ano a artista afro-americana Mickalene Thomas, conhecida pela pintura e colagem contemporâneas, que traz figuras da cultura negra e queer em seu trabalho.

Generic selectors
Exact matches only
Search in title
Search in content
Post Type Selectors